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domingo, 11 de dezembro de 2011

Alterações no Procedimento do Júri

1. INTRODUÇÃO
O tribunal do Júri tem previsão na Constituição Republicana de 1988, sendo lhe assegurada a competência mínima para julgar os crimes dolosos contra a vida, para aperfeiçoar o rito processual típico deste instituto, foram introduzidas várias alterações pela lei 11.689/2008, para que o procedimento se tornasse mais simplificado e para aumentar as garantias constitucionais.
Sobre sua previsão Constitucional, o Tribunal do Juri está amparado no artigo 5º, inciso XXXVIII, portanto, faz parte dos direito e garantias fundamentais, assim não pode ser suprimido pelo poder constituinte derivado ou reformador. Apesar da competência atribuída pela Constituição de 1988 ser a de julgar os crimes dolosos contra a vida, a competência pode ser ampliada pelo legislador ordinário, mas nunca suprimida.
Há a clara possibilidade de o Tribunal do Júri julgar outros crimes diversos, desde que exista a conexão entre estes e crimes dolosos contra a vida, pois a competência do Tribunal do Júri prevalece sobre a dos demais Tribunais.
Pouco se tem como certo sobre o surgimento do Tribunal do júri no mundo, não havendo consenso sobre o seu surgimento. È bem verdade que outros institutos ao longo da história guardavam semelhança com o tribunal popular, como na Grécia antiga existia o “Diskatas”, já na região germânica existia o instituto do “Centeni Comutes”. Porém, o Tribunal do Júri tem sua origem atribuída à Inglaterra, de forma que sua organização coincide com o surgimento de aspirações ao constitucionalismo e a limitação do poder do Estado.
No entanto, no início do júri inglês sua conotação era religiosa, pois era composta por doze membros, em alusão aos doze apóstolos de Cristo, além disso, a sua competência era a de julgar os crimes religiosos, mas não deixou de limitar também o poder da Igreja, pois surgiu pela abolição dos juízos de ordália. No Brasil, o Tribunal do Júri foi instituído em 1822, através de decreto do Imperador Dom Pedro I; tendo ao longo desse tempo, sofrido diversas modificações.
2. PRINCÍPIOS DO PROCEDIMENTO DO JURI

2.1. Funções dos Princípios de Processo Penal
O próprio significado da palavra princípio nos remete a sua importância, pois etimologicamente temos que vem a ser o começo, o início, o que dá origem; juridicamente princípios são normas basilares e fundamentais, pois além de originarem outra normas, também servem para orientar todo o ordenamento jurídico e preencher as eventuais lacunas que venham a existir.
Além das normas as quais o processo penal obedece para determinar os procedimentos a serem observados para o bom andamento do processo, deve também obediência a normas muito superiores chamadas princípios, sobre princípios, assim pontificou Miguel Reale:
(...) verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis (REALE, 2002: 299).
Portanto, os princípios alicerçam e norteiam as normas de direito, para que essas possam obedecer a uma lógica sistemática, pois, as normas fazem parte de um ordenamento jurídico. Quanto as normas e princípios processuais penais, estas também fazem parte do ordenamento, sendo então organizadas de forma sistemática, conforme entendimento de Paulo Rangel:
Assim, sistema processual penal é o conjunto de princípios e regras constitucionais, de acordo com o momento político de cada Estado, que estabelece as diretrizes a serem seguidas para aplicação do direito penal a cada caso concreto. O Estado deve tornar efetiva a ordem normativa penal, assegurando a aplicação de suas regras e de seus preceitos básicos, e esta aplicação somente poderá ser feita através do processo, que deve se revestir, em princípio, de duas formas: a inquisitiva e a acusatória (Rangel, 2004, pág. 45).
No processo penal os princípios correspondem a garantias ao acusado e também ao bom andamento dos feitos, alguns princípios também protegem e tornam possível o anseio da sociedade por justiça toda vez que um bem jurídico tutelado é violado; os princípios são tão importantes no processo que sua inobservância pode gerar nulidades, às vezes absolutas.
2.2. Princípios Constitucionais do tribunal do Júri
O Tribunal do Júri é uma garantia constitucional, previsto no artigo 5º, inciso XXXVIII da CF/88, garantia porque é dada ao réu como direito de ser julgado pelos seus iguais. Por ser uma garantia Constitucional não pode ser suprimido ou ter sua competência reduzida, pois tal hipótese é vedada no artigo 60 da Carta republicana.
Não obstante, os mais importantes princípios que norteiam a Instituição do Júri estão dispostos na CF/88, pois é na Constituição que se funda toda a ordem jurídica, os princípios é que vão dar o norte para edição de normas mais específicas que irão disciplinar todos os procedimentos processuais, neste sentido, conforme leciona Celso Ribeiro de Bastos:
Os princípios constitucionais são aqueles que guardam os valores fundamentais da ordem jurídica (...) Alcançam os princípios esta meta à proporção que perdem o seu caráter de precisão de conteúdo, isto é, conforme vão perdendo densidade semântica, eles ascendem a uma posição que lhes permite sobressair, pairando sobre uma área muito mais ampla do que uma norma estabelecedora de preceitos. Portanto, o que o princípio perde em carga normativa ganha como força valorativa a espraiar-se por cima de um sem-número de outras normas (BASTOS, 2002:241).
Além disso, por mais geral e abstrato que possa ser o texto das normas, não há como se regular todas as situações concretas na sociedade, a generalidade e abstração das normas também possibilitam várias possibilidades de interpretações e entendimentos diversos sobre o mesmo caso concreto ou situação, por isso, os princípios auxiliam os operadores do direito tanto na integração do ordenamento quanto na interpretação da normas; neste sentido, assim leciona Manoel e Silva Neto:
Os princípios modelam, de modo vigoroso, os diversos setores no ordenamento jurídico, cumprindo, ainda, o papel de inestimável ferramenta posta à disposição do cientista quando da consumação do procedimento interpretativo da norma, porque, sabendo-se ser a Ciência do Direito uma metalinguagem da linguagem-objeto do direito positivo, isto é, a Ciência do Direito, mediante proposições descritivas, desvenda o conteúdo do retrato normativo, teremos os princípios de interpretação despontando como significados pontos de partida para que se encontrem os princípios explícitos ou implícitos remanescentes no sistema (SILVA NETO, 2006:107).
Tecidas estas considerações iniciais, passaremos a discorrer sobre os princípios constitucionais do tribunal do Júri.
2.2.1. Competência Mínima
Este princípio remete à própria previsão constitucional contida no artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea ‘d’, atribuindo ao tribunal do júri a competência mínima de julgamento dos crimes dolosos contra a vida, a saber, (art.121, §§ 1º e 2º), induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (art. 122, parágrafo único), o infanticídio (art. 123) e por último as várias modalidade de aborto (art. 124 a 127), em suas modalidades tentadas ou consumadas.
Sendo mínima, entende-se que a vontade do Constituinte era a de permitir que o legislador ordinário pudesse dilatar essa competência para julgamento de outros crimes.
Percebe-se que foi grande a importância emprestada ao Tribunal do Júri, pois, lhe foi dada a missão de julgar o maior bem jurídico tutelado pelo Direito Penal, a vida humana, sobre essa importante tutela, pontifica Cezar Roberto Bitencourt:
Dentre os bens jurídicos de que o indivíduo é titular e para cuja proteção a ordem jurídica vai ao extremo de utilizar a própria repressão penal, a vida destaca-se como o mais valiosos. A conservação da pessoa humana, que é a base de tudo, tem como condição primeira a vida, que, mais que um direito, é condição básica de todo direito individual, porque sem ela não há personalidade, e sem esta não há que se cogitar de direito individual (BITENCOURT, 2001: 27)
Destarte, essa competência mínima ser cláusula pétrea, não podendo ser suprimida ou reduzida a competência do Tribunal do Júri, apenas pode ser aumentada, mas nunca reduzida; pode ocorrer também do Júri julgar outros crimes conexos ao atentado contra a vida, existem também exceções, em que o Tribuna em comento não julgará os crimes dolosos contra a vida, exemplo do foro privilegiado por prerrogativa de função, sobre o tema Alexandre de Moraes ensina:
Ressalta-se que o art. 5º, XXXVIII, da Constituição Federal, não deve ser entendido de forma absoluta, uma vez que existirão hipóteses, sempre excepcionais, em que os crimes dolosos contra a vida não serão julgados pelo Tribunal do Júri.86 Estas hipóteses referem-se, basicamente, às competências especiais por prerrogativa de função (Moraes, 2006, pág. 78).
Portanto, não é absoluta a competência mínima mas deve ser observada como regra que possui exceções.
2.2.2. Dignidade da Pessoa Humana
O princípio da dignidade humana é consagrado internacionalmente, faz parte da Declaração Universal dos Direito Humanos, aliás, é o verdadeiro fundamento dos direitos humanos universais, conforme as letras do preâmbulo da citada Declaração:
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo (...) Considerando que as Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e valor da pessoa humana (....)
A dignidade da pessoa humana é um fundamento constitucional que norteia todo o ordenamento jurídico e serve de base e fundamento para todos os demais princípios, nesse sentido, pontifica
Dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. “Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], (...) (SILVA, 2000:109).
Dessa forma, nenhuma norma ou princípio pode afrontar esse fundamento da República, pois o homem é que confecciona as normas, portanto, é ilógico que uma norma possa desrespeitar a condição humana, neste sentido, conforme lição de Fábio Konder Comparato:
A dignidade da pessoa não consiste apenas no fato de ser ela, diferentemente das coisas, um ser considerado e tratado como um fim em si e nunca como um meio para a consecução de determinado resultado. Ela resulta também do fato de que, pela sua vontade racional, isto é, como ser capaz de guiar-se pelas leis que ele próprio edita (COMPARATO, 2001, p. 48)
Pouco importa a culpa ou dolo, a gravidade maior ou menor do delito cometido, assim, seja culpado ou inocente o acusado, ainda que tenha cometido um crime bárbaro e repugnante, ele não perdeu a condição de ser humano, pode lhe ser limitado ou suspenso qualquer direito, porém a sua dignidade (enquanto ser humano) deve ser sempre mantida. É com fundamento na dignidade da pessoa humana que a Constituição brasileira veda a pena de morte (permitida apenas em estado de guerra declarada), penas cruéis, tortura de presos e condenados, trabalho forçado, etc. Portanto, seja qual for o direito a ser assegurado ou garantido, o maior princípio fundamental e norteador será sempre a dignidade da pessoa humana.
2.2.3. Plenitude de defesa
A vida e a liberdade são os maiores bens que o homem possui, de forma que o cerceamento da liberdade, como forma de castigo corporal, é uma das maiores aflições que se pode infligir ao ser humano, por isso, sempre que alguém comete um ilícito penal, estando sujeito as sanções penais, lhe é garantida a amplitude de defesa e a oportunidade de contraditar as provas produzidas, como forma de se assegurar a dignidade humana e se aproximar o máximo possível dos ideais e valores da justiça.
Como ampla defesa entende-se a possibilidade de se defender pessoalmente das acusações, bem como ter acesso aos dados e provas constantes no processo, a ampla defesa alcança também o direito a defesa técnica, ou seja, de ser defendido por um advogado. Sobre o assunto, leciona Vicente Greco Filho:
(...) consideram-se meios inerentes à ampla defesa: a) ter conhecimento claro da imputação; b) poder apresentar alegações contra a acusação; c) poder acompanhar a prova produzida e fazer contra-prova; d) ter defesa técnica por advogado, cuja função, aliás, agora, é essencial à Administração da Justiça; e e) poder recorrer da decisão desfavorável (GRECO FILHO, 1989:47).
A ampla defesa é indispensável no processo penal, sua inobservância gera nulidade processual absoluta, pois é principalmente através da ampla defesa que se limita o poder estatal de punir, evitando assim abusos, procura-se assim fazer com que o acusado e o órgão acusador tenham igualdade de oportunidades no processo, a jurisprudência é uníssona quanto a indispensabilidade da ampla defesa, conforme excerto do voto do Min. Celso de Mello:
O direito de defesa é imprescindível para a segurança individual. É um dos meios essenciais para que cada um possa fazer valer sua inocência quando injustamente acusado. (...) A ampla defesa contida na Constituição de 1988 assegura ao réu as condições que lhe possibilitem trazer ao processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário. (STF – 1.ª T. – HC n.° 68.929/SP – Rel. Min. Celso de Mello).
O contraditório também faz parte da plenitude de defesa, portanto, os processos e acusações secretas são vedados, pois não coadunam com o princípio do Estado de Direito. A lógica utilizada nos julgamentos utiliza basicamente o método descrito por Hegel, pois através da denúncia é apresenta a tese, a resposta do réu é a antítese, o juiz confronta-as excluindo as informações irrelevantes, reatando uma síntese que é a sentença. Essa lógica na apreciação do somente é possível graças ao contraditório.
O contraditório corresponde ao direito das partes em se manifestarem no processo, principalmente em relação a fatos e provas, de forma que, deve ser dado conhecimento da ação e de todos os atos do processo às partes, bem como a possibilidade de responderem, de produzirem provas próprias e adequadas à demonstração do direito que alegam ter; vale a leitura das seguinte ementa:
Ementa: Habeas Corpus. Constitucional e Processual Penal. Arts. 133 e 5º, inciso LV, da CF/88. Trânsito em julgado de decisão que não admitiu Agravo de Instrumento em Recurso Especial. Falecimento do único Advogado constituído. Resultando na impossibilidade da intimação do acórdão. Violação do Contraditório e Ampla Defesa. Desconstituição do trânsito em julgado e devolução do prazo recursal. Restituição da liberdade do paciente que respondeu solto a ação penal. A CF/88 determina que "o advogado é indispensável à administração da justiça" [art. 133]. É por intermédio dele que se exerce "o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes" [art. 5º, LV]. O falecimento do patrono do réu cinco dias antes da publicação do acórdão, do STJ, que não admitiu o agravo de instrumento consubstancia situação relevante. Isso porque, havendo apenas um advogado constituído nos autos, a intimação do acórdão tornou-se impossível após a sua morte. Em consequência, o paciente ficou sem defesa técnica. Há, no caso, nítida violação do contraditório e da ampla defesa, a ensejar a desconstituição do trânsito em julgado do acórdão e a devolução do prazo recursal, bem assim a restituição da liberdade do paciente, que respondeu à ação penal solto. Ordem concedida.
(HC 99330, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 16/03/2010, DJe-071 DIVULG 22-04-2010 PUBLIC 23-04-2010 EMENT VOL-02398-03 PP-00490 RT v. 99, n. 897, 2010, p. 542-546)
Portanto, sempre que uma parte apresentar uma nova prova ou informação no processo, deve ser levado a conhecimento da parte contrária, dando-lhe oportunidade para se manifestar sobre ela; neste sentido, colacionamos a seguinte ementa:No mesmo sentido:
EMENTA: RECURSO CRIMINAL. Apelação. Prova nova apresentada pelo Ministério Público em contra-razões, sem vista à defesa. Consideração pelo acórdão. Inadmissibilidade. Ofensa ao princípio do contraditório (art. 5º, LV, da CF). Ordem concedida. É nula a decisão que se remete, expressamente, a provas admitidas sem contraditório em contra-razões de recurso. (HC 87114, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 04/12/2009, DJe-027 DIVULG 11-02-2010 PUBLIC 12-02-2010 EMENT VOL-02389-01 PP-00088 LEXSTF v. 32, n. 374, 2010, p. 284-290).
2.2.4. Sigilo das Votações
A publicidade dos atos processuais é assegurada constitucionalmente, ao mesmo tempo, o sigilo das votações do júri também ganham proteção constitucional, não significa dizer que ocorre um conflito entre estes princípios, pois o sigilo das votações é garantidor da liberdade de convicção e opinião dos jurados como forma de garantir a sua imparcialidade e independência. Importante destacar que essa proteção constitucional é deveras importante para que os jurados não sofram coação, ou que não sejam censurados pela opinião pública, podendo atuar pela sua livre consciência, conforme lição de Júlio Fabbrini Mirabete:
A própria natureza do júri impõe proteção aos jurados e tal proteção se materializa por meio do sigilo indispensável em suas votações e pela tranqüilidade do julgador popular, que seria afetada ao proceder a votação sob vistas do público. Aliás, o art. 93, IX, não pode se referir ao julgamento do júri, mesmo porque este, as decisões não podem ser fundamentadas (MIRABETE, 2000:1032).
Um problema que assolava e acabava por inviabilizar o sigilo das votações era a divulgação das votações unânimes, pois se todos os votos foram iguais e assim divulgados, não existia sigilo, era o mesmo que declarar o voto de cada jurado publicamente, por isso mesmo esse procedimento foi revisto, como veremos em oportuno.
Nestes tempos em que os criminosos estão cada vez mais organizados, e também o surgimento de associações criminosas conhecidas como facções, que cada vez mais se mostram como forças paramilitares, com organização e poder de fogo que tem desafiado o Estado Democrático de Direito, o sigilo das votações tem se mostrado imprescindível, aliás, seria ainda melhor que os jurados fossem poupados da identificação, porém tal medida não pode ser adotada por falta de legislação a respeito.
O Conselho de Sentença muitas vezes pode se sentir inseguro de proferir decisão que condene um criminoso participante de facção criminosa, pois, encerrado o julgamento, o jurado retoma sua vida de cidadão comum, estando aberto e suscetível a atentados, contra si e sua família, de forma a inibir sua coragem, independência e imparcialidade. O temor de atentado contra sua vida e segurança faz com que a sua decisão seja tendenciosa.
2.2.5. Soberania dos Veredictos
A decisão do Conselho de Sentença é soberana, imodificável até mesmo pelas superiores instâncias, no entanto, não significa dizer que suprime o princípio do duplo grau de jurisdição, ou seja, assiste a parte o direito de recorrer. Existe a possibilidade de novo julgamento, sobre o tema:
A soberania dos veredictos dos jurados, afirmada pela Carta Política, não exclui a recorribilidade de suas decisões, sendo assegurada com a devolução dos autos ao Tribunal do Júri para que profira novo julgamento, se cassada a decisão recorrida pelo princípio do duplo grau de jurisdição. Também não fere o referido princípio a possibilidade da revisão criminal do julgado do Júri, a comutação de penas etc. Ainda que se altere a decisão sobre o mérito da causa, é admissível que se faça em favor do condenado, mesmo porque a soberania dos veredictos é uma “garantia constitucional individual” e a reforma ou alteração da decisão em benefício do condenado não lhe lesa qualquer direito, ao contrário beneficia (MIRABERE, 2006:496).
Portanto, as decisões do tribunal do júri são recorríveis mais somente podem ser modificadas por ele próprio, não há consenso sobre a possibilidade de sua modificação em sede de revisão criminal, pois os efeitos do julgamento pelo Júri Popular permanecem após o julgamento, pois tal soberania, garantida na CF/88, remete a idéia de não sofrer interferência de outro órgão, não podendo sua competência ser usurpada, salvo nos casos previstos na própria Constituição Federal, sobre o tema, nas letras de Hermírio Alberto Marques Porto:
O entendimento do conceito de soberania reaparece com seus efeitos após o julgamento pelo Tribunal do Júri, por ocasião do exame de apelação buscando a rescisão, pelo mérito, do decidido pelos jurados; ao Tribunal do Júri cabe proferir decisão, então não manifestamente contrária á prova, que encontre amparo em contingente menor de provas em conflito; e decisões com tal amparo, que não prevaleceriam, em regra, quando proferidas por Juiz singular, são mantidas porque excepcional a marginalização das decisões dos jurados, o entendimento do conceito de soberania dá atenção a seus limites, agora, então sem caráter ampliativo e indevido (PORTO, 1989:33).
Assim a soberania dos veredictos não afronta o duplo grau de jurisdição, pois existe a recorribilidade da decisão, o que não pode ocorrer é justamente a usurpação das competências do Júri, portanto, o julgamento da apelação ou recurso, deve se limitar a verificação da possibilidade de um novo Júri conforme disposto na lei, não podendo ampliar ou restringir o veredicto popular.
3. PRINCIPAIS MUDANÇAS PROCEDIMENTAIS
No Brasil desde o Império o Tribunal do Júri tem previsão Constitucional, a exceção de 1937. Atualmente a CF de 1988 prevê o tribunal do júri no rol dos direito fundamentais do artigo 5º, no qual lhe dá como competência mínima o julgamento dos crimes dolosos contra vida e impedindo que seja suprimido já que é cláusula pétrea.
Atualmente houve uma reforma significativa no rito do Tribunal do Júri, INTRODUZIDA PELA Lei nº 11.689/2008 essa reforma buscou aperfeiçoá-lo e adequá-lo a atual realidade jurídica e social. As mudanças ocorreram tanto na fase preliminar, conhecida como sumário da culpa, como na sessão plenária propriamente dita.

3.1. Fase de pronúncia ou sumário da culpa
No sumário da culpa a defesa prévia era facultativa e não havia manifestação da acusação quanto ao teor da defesa apresentada, essa era a previsão do artigo 395 do CPP. A Lei 11.689/2008 modificou o artigo 406 do diploma processual penal, passando a existir, em substituição da defesa prévia, a defesa preliminar obrigatória e submetida ao contraditório, ou seja, é dada oportunidade para manifestação da acusação acerca das eventuais preliminares argüidas.
No procedimento anterior haviam pelo menos três audiências, após a reforma, por previsão do artigo 411 do CPP passou-se a adotar a concentração dos atos processuais, a audiência é única em respeito ao princípio da celeridade e economia processual, como entende Ivan Luiz Marques da Silva (2008:92) : “a celeridade na apuração dos fatos para que a primeira fase do júri se encerre no prazo legal de até 90 (noventa dias)” além disso, deixou de existir a mediação do juiz na inquirição da vitima, testemunhas, e acusado assim as partes podem formular diretamente as suas perguntas..
Também foi alterada a ordem da instrução, a ordem era a seguinte: interrogatório, declarações da vítima, oitiva das testemunhas de acusação, oitiva das testemunhas de defesa; já após a reforma, em respeito à plenitude de defesa, a ordem passou a ser a seguinte: declarações da vítima, oitiva de testemunhas de acusação, oitiva das testemunhas de defesa, esclarecimentos dos peritos, acareação e reconhecimento de pessoas e coisas e por último, o interrogatório do réu. Sobre a concentração dos atos processuais, Guilherme de Souza Nucci:
(...) serão inquiridos, nessa ordem, ofendido (se possível) e testemunhas presentes (com impossibilidade de inversão se testemunhas arroladas pela acusação não comparecerem). Seguem-se esclarecimentos de peritos (se previamente requerido), acareação, reconhecimento de pessoas e coisas e, ao final, o acusado será interrogado - ciente, pois, das provas já produzidas em seu desfavor. As testemunhas são inquiridas, diretamente, pelas partes - o juiz complementa a instrução; o réu é interrogado primeiro pelo juiz; as partes o complementam, formulando perguntas sem mediação judicial. (NUCCI, 2008:08).
Outra importante mudança foi a substituição das alegações finais e o fim da vedação à juntada de documentos previstas no artigo 406 do CPP, pelo atual artigo 411 do CPP, as alegações finais são realizadas na forma de debates orais e não há proibição de juntada de documentos. Também foi suprimida a faculdade do juiz em ordenar diligências antes da prolação da sentença. Destarte, na fase de pronúncia ser possível que a decisão juiz absolva sumariamente o réu, desclassifique o crime como modalidade diversa de doloso contra a vida ou pronuncie o réu levando-o a plenária do júri.

3.1.1. Decisão de Pronúncia do Réu
Os requisitos para a pronúncia do réu na redação do artigo 413 do CPP passou a ser o convencimento do juiz quanto à materialidade do fato e a existência de indícios suficientes de autoria, passou a ser permitido ao juiz especificar na pronúncia as causas de aumento de pena conforme § 1º do mesmo artigo.
A prisão como efeito automático da pronúncia deixou de existir, o cerceamento da liberdade ou a manutenção no cárcere deve ser agora motivada, ou seja, o juiz deve decidir motivadamente se decreta a prisão preventiva, revoga ou se concede liberdade provisória ao acusado.
3.1.2. Absolvição Sumária
Na antiga redação do artigo 411 do CPP, a absolvição sumária era possível apenas na existência circunstâncias que excliam o crime ou que isentavam o réu de pena, além disso, havia a existência recurso de ofício.
Após a reforma, passaram a ser as seguintes hipóteses autorizadoras de absolvição sumária: prova da inexistência do fato, prova de não ser o réu autor ou partícipe do fato, o fato não constituir infração penal, existência de causas excludentes de ilicitude ou de isenção de pena. Também deixou de existir o instituto de recurso de ofício, conforme artigo 415 do CPP.
Essas mudanças e o conseqüente alargamento das hipóteses de absolvição sumária privilegiam o princípio da dignidade da pessoa humana, pois não é razoável submeter até o fim do rito, ou seja, até a plenária do júri quem agiu claramente aparado por uma excludente de ilicitude, por exemplo, neste sentido se posiciona Ivan Luiz Marque Silva:
Isso ocorre porque antes da reforma, não havia razoabilidade em que se ter que aguardar todo o trâmite processual para, somente no final, após as diligências e alegações finais, no momento da prolação da decisão absolver o réu, por exemplo, pela atipicidade do fato. Com o novo rito processual, o réu na fase da defesa preliminar poderá alegar qualquer das excludentes mencionadas e, se bem demonstrada surge para o juiz a opção de encerrar o processo absolvendo o acusado de forma sumária, ou seja, antes da produção do acervo probatório na “super audiência” de instrução e julgamento (artigo 400 do CPP).
Portanto, se reconhecida a existência das excludentes previstas na lei, o réu deverá ser sumariamente absolvido e o processo findo, dessa decisão caberá à acusação o recurso de apelação, caso discorde da absolvição sumária.
Existe também a possibilidade de absolvição sumária decorrente da inimputabilidade do agente (exceto para menores de 18 anos que cometem ato infracional), porém, nestes casos, a inimputabilidade do agente deve ser a única tese defensiva, ou seja, se houver outra tese, como legíma defesa, o juiz não poderá absolver sumariamente o réu, conforme dispõe o parágrafo único do artigo 415 do CPP. Caso seja reconhecida a inimputabilidade o juiz absolve sumariamente o réu e já determina qual a medida de segurança a ser adotada.
3.1.3. Desclassificação
Antes da reforma o artigo 410 do CPP previa que se o juiz desclassificasse a conduta para outro crime, o prazo para defesa do acusado era reaberto, inclusive para indicação de testemunhas, tendo prosseguimento após encerrada a instrução, conforme artigo 499 do CPP.
Com a reforma o artigo 419 do CPP passou a mencionar apenas que em caso de desclassificação para crimes cuja competência não seja do Júri, o juiz deverá remeter o processo ao juiz competente, inexistindo trâmite ao final do processo.
A desclassificação pode ser apenas no sentido de emendatio libellis ou de mutatio libellis, na primeira os fatos narrados continuam os mesmos, o juiz apenas entende que a classificação correta é diversa da apontada na denúncia ou queixa, já a segunda hipótese, há diferença entre os fatos narrados na peça acusatória e às provas apuradas pelo juiz.
Destarte, se houver a desclassificação de um crime mas a competência continuar a ser do júri, estaremos diante da emendatio libelli, já se a desclassificação resultar de mudança de competência certamentente teremos uma mutatio libelli, conforme pontifica Antonio Scarance Fernandes:
Se apesar da alteração, o crime resultante da nova classificação continuar sendo de competência do júri, ele poderá dar ao fato definição jurídica diversa ao que consta na acusação, embora o acusado possa ficar sujeito a pena mais grave (art.418 do CPP). Caso em virtude de mudança na classificação, o crime deixe de ser da competência do júri, o juiz remeterá os autos para o juízo competente. (art.419 do CPP). (SCARANCE FERNADES, 2008:06)
Pode ocorrer também de o juiz que receber o processo discorde da desclassificação, segundo Ivan Luiz Marque Silva “caso o juiz que receba o processo discorde da opinião do outro juiz que desclassificou a infração dolosa contra a vida, o Tribunal decidirá quem será competente para julgar aquele fato em concreto.” (SILVA, 2008, p.94).
Caso a defesa ou a acusação discorde da desclassificação haverá a possibilidade de recurso em sentido estrito, conforme previsão do atual artigo 416 do CPP.
4. PROCEDIMENTOS DA PLENÁRIA DO JÚRI
Havendo o juiz decidido pela pronúncia o réu deverá ser citado, a previsão anterior era a de intimação pessoal, por força dos artigos 413 e 414 do CPP, o que impossibilitava o andamento do processo ante a ciência do réu. Porém, após a reforma passou-se a adotar o previsto no texto atual do artigo 420 do CPP, podendo haver a citação por edital e o consequente prosseguimento do feito caso o réu não seja encontrado.
Também foram extintos o libelo acusatório e a contrariedade ao libelo, estes institutos eram previstos nos artigos 417 a 422 do CPP. Após a reforma conforme previsão do atual artigo 422 do CPP, a acusação e a defesa são intimados após o transito em julgado da decisão para apresentar, em cinco dias o rol de testemunhas, juntar documentos e requerer diligências.
Outra inovação é a possibilidade de julgamento do júri sem a presença do réu, antes da reforma o artigo 451 proibia essa possibilidade, de forma que o réu preso ou solto deveria estar presente no julgamento; no entanto a reforma trouxe pelo atual texto do artigo 457, determina que o julgamento não pode ser adiado pelo não comparecimento do réu; trouxe também a possibilidade do réu preso ou solto (neste caso por analogia) pedir dispensa do comparecimento).
Este dispositivo merece crítica quando do não comparecimento do réu na julgamento, pois, se faltar o juiz, ou o promotor, ou o advogado, ou até mesmo uma testemunha importante, o julgamento será adiado, mas não comparecendo o réu o julgamento deve seguir, parece injusto e infringir a amplitude de defesa.
Houve também alterações quanto aos prazos de habilitação de assistente de acusação e do requerimento de leitura de documento novo na plenária, antes o texto legal, respectivamente artigos 477 e 475 do CPP dispunham de três dias, a reforma, respectivamente nos artigos 430 e 479 do CPP dispõe de três dias úteis.

4.1. Conselho de Sentença
O Conselho de Sentença era composto pelo Juiz presidente e por mais 21 jurados, a reforma aumentou, por força do artigo 447 do CPP o número de jurados para 25, além do Presidente.
O texto legal antes da reforma previa em caso de divergência na recusa de jurados, por parte da defesa de acusados diferentes, a separação dos julgamentos, prosseguindo-se apenas quanto ao réu que aceitou o jurado, exceto se quando ocorria a recusa também pela acusação; o texto legal do artigo 461 do CPP não dispunha, no entanto, de ordem que garantisse quem seria julgado primeiro.
No entanto, pelo atual artigo 469, § 1º do CPP, apenas pode ocorrer a cisão dos julgamentos se não for obtido, em virtude das recusas imotivadas ou motivadas o número mínimo de sete jurados para compor o Conselho de Sentença, além disso, havendo separação dos julgamentos o autor deverá ser julgado antes do partícipe.

4.2. Julgamento em Plenária
Durante o julgamento não havia disciplina sobre o uso de algemas na Plenária do Júri, após a reforma, este uso passou a ser condicionado a necessidade de garantia da ordem dos trabalhos, a segurança das testemunhas ou à garantia da integridade dos presentes.
Também o relatório do magistrado deixou de ser feito de forma oral e passou a ser feito de forma escrita, sendo entregue cópias a todos os jurados, conforme passou a dispor o artigo 472 do CPP. Não havia limitação à leitura de peças processuais pelas partes e jurados, porém a atual redação do artigo 472 do CPP dispõe que partes que se refiram apenas a provas colhidas por carta precatória, provas cautelares e antecipadas não repetíveis.
A ordem instrutória do plenário também foi modificada, ates se iniciava com o interrogatório do acusado, seguido pela oitiva de testemunhas de acusação, testemunhas de defesa, acareação e outras provas. Atualmente, a reforma disciplinou, nos artigos 473 e 474 do CPP, a seguinte ordem: depoimento da vítima, oitiva de testemunhas de acusação, oitiva de testemunhas de defesa, acareação e outras provas, esclarecimentos dos peritos e o interrogatório do réu.
Após a instrução Plenária era conferida as partes tempo para debates, conforme a anterior redação do artigo 174 do CPP tanto a acusação quanto a defesa dispunham de duas horas para o discurso inicial e meia hora para réplica e tréplica, cada uma caso houvesse mais de um réu o tempo inicial se estendia a três horas e até uma hora para réplica e tréplica, cada uma. Além disso, eram permitidas as partes a análise da decisão de pronúncia, sobre o silêncio do réu ou da ausência de interrogatório.
Atualmente segundo dispõe o artigo 477 do CPP, tanto a acusação quanto a defesa dispõe de uma hora e meia para o discurso inicial e uma hora para réplica e tréplica, cada uma. Caso haja mais de um réu o tempo inicial é estendido para duas horas com este mesmo tempo para réplica e tréplica, cada uma. Também foi proibido as partes, sob pena de anulação, referir-se a decisão de pronúncia como argumento de autoridade, bem como é proibido referir-se a ausência ou silencio do réu sob pena de nulidade, conforme disposto no artigo 478 do CPP.
Os quesitos também sofreram modificação, sendo a atual ordem constante no artigo 484 do CPP: materialidade, autoria, absolvição do réu, causas de diminuição de pena, qualificadora, causas de aumento de pena; os quesitos têm como fonte a decisão de pronúncia, o interrogatório e as alegações das partes. Como se observa, o quesito principal foi simplificado, sendo feita apenas a seguinte pergunta aos jurados: o jurado absolve o réu?
Também já não existe mais resultado unânime de votação, portanto, ao se contar quatro votos iguais seja para condenação ou absolvição, a contagem é interrompida para assegurar o sigilo das votações, garantindo assim que ninguém possa saber o voto individual dos jurados, de forma a deixá-lo mais a vontade para decidir com plena liberdade de consciência.
Importante observar que foi suprimido o protesto por novo júri, pois não existe mais a previsão legal deste instituto. Quanto aos prazos para encerramento do procedimento do Tribunal do Júri na fase de pronúncia é de seis meses e após o seu trânsito em julgado o julgamento plenário deve ser realizado em até seis meses sob pena de desaforamento.

CONCLUSÃO
A Lei nº 11.689/2008 trouxe alterações sensíveis ao procedimento especial do Tribunal do Júri, em homenagem aos princípios Constitucionais sensíveis e como forma de simplificação do rito, possibilitando assim, que o judiciário possa prestar sua jurisdição de forma mais célere e econômica.
Quanto a celeridade e economia processual, destacam-se a concentração dos atos processuais em única audiência quando possível. A celeridade conta ainda com a possibilidade de citação do réu da decisão de pronúncia através de edital e da possibilidade de julgamento sem a presença do réu.
A dignidade da pessoa humana se encontra homenageada na ampliação das possibilidade de absolvição sumária, também a ampla defesa e contraditório tem seu espaço alargado na fase do sumário da culpa pela obrigatoriedade de apresentação da defesa prévia e da conseqüente manifestação da acusação acerca das preliminares arguidas.
Destarte, a amplitude de defesa se vê assegurada na atual ordem da instrução da fase de pronúncia e de plenária, pois o interrogatório é o último ato, podendo o réu adequá-lo ao teor das provas anteriormente produzidas; também na disciplina do uso de algemas e na proibição da leitura da decisão de pronúncia em plenária ou alusão ao seu silêncio ou à sua ausência.
Porém a vedação ao adiamento de audiência em virtude de ausência do réu parece ser injusta e pode ferir a amplitude de defesa, pois sem o juiz, sem o número suficiente de jurados, sem o promotor ou sem o advogado ou até mesmo sem testemunhas, o julgamento será adiado, mas pode continuar sem a presença do réu; isso muitas vezes pode acarretar em prejuízo da defesa, salvo quando a ausência for manifesta vontade do réu que pode pedir dispensa do comparecimento.
Assim, as reformas ainda não são suficientes para o bom andamento do processo, pois a concentração dos atos processuais nem sempre poderá ser observada na fase de pronúncia, pois se mostra como uma “super audiência”, difícil de ser observada.

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terça-feira, 10 de maio de 2011

O contraditório e a ampla defesa no inquérito policial: alcance da súmula 14 do stf

Autor: ALDINEI RODRIGUES MACENA

INTRODUÇÃO

 

O princípio do devido processo legal é garantido na Constituição Federal de 1988, implicitamente, este princípio se manifesta no seu art. 5.o, inciso LV, no qual está a seguinte previsão: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

Ressalte-se que a ampla defesa, contém todos os meios necessário ao litigantes e acusados para se defenderem, entre os quais a defesa técnica, que não é possível em processo penal sem a presença de advogado, por isso, a nossa Carta Maior também ao preso a assistência de advogado em seu artigo 5º, inciso LXIII.

No entanto, parte da doutrina e da jurisprudência tinha pacífico entendimento de que no Inquérito policial não se aplicavam o contraditório e a ampla defesa, sob a alegação de que não se trata de um processo, mas sim de procedimento administrativo, inquisitivo e sigiloso, o que inviabilizaria o acesso do indiciado/ investigado/acusado ou de seu defensor aos autos do inquérito policial.

Destarte, a República Federativa do Brasil se consolidou como estado Democrático de Direito de forma plena e irrevogável, e por isso, o Estado deve obedecer e respeitar os direitos e garantias fundamentais, cuja função precípua são de orientar o Estado em suas ações e principalmente de limitar a sua atuação, de forma a coibir os abusos e arbitrariedades.

É cediço que a vontade e ação do Estado se manifesta através de pessoas que são imbuídas do poder estatal, dessa forma, a autoridade policial, ao presidir o Inquérito Policial, está representando o Estado em suas funções impostas pela lei.

Portanto, a completa ausência da submissão do poder estatal frente ao contraditório e à ampla defesa no inquérito policial pode favorecer arbitrariedades e abusos por parte da autoridade que o preside. Sendo a figura do Estado no inquérito policial representada pela autoridade policial, tem-se que devem ser obedecidos os princípios constitucionalmente consagrados, mormente o contraditório e ampla defesa.

Porém, sob a alegação de que prevalecem os princípios de segurança pública, a doutrina e a jurisprudência tinham se posicionado no sentido de que essas garantias não se aplicavam ao inquérito policial, esse entendimento deu margem a abusos, como a vedação à defesa e ao indicado aos  autos do inquérito.

Destarte, esse entendimento vinha mudando graças ao inconformismo de bons juristas que passaram a impetrar diversos remédios constitucionais no Supremo Tribunal Federal, o que resultou no pedido feito pela OAB de instituir-se Súmula Vinculante que trata-se do assunto, uniformizando as decisões de instâncias inferiores, que resultou na Súmula Vinculante 14.

No entanto, parece que o contraditório não foi contemplado pela súmula e a ampla defesa não pode ser aplicada em toda sua plenitude ao Inquérito Policial, assim fica a questão: qual o alcance da Sumula 14?

 


I – DIREITO FUNDAMENTAIS

1.1. Princípios Constitucionais

A constituição Federal de 1988 é a Carta de Princípios que balizam e fundamentam todo o ordenamento jurídico pátrio, de forma que todas as outras normas, inclusive aquelas inseridas no corpo do texto constitucional deve obedecer a estes princípios. Sobre o que são os princípios:

Consideram-se princípios jurídicos fundamentais os princípios historicamente objectivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica e que encontram uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional[1].

Neste mesmo sentido:

Princípio fundamental é algo que devemos admitir como pressuposto de todo ordenamento jurídico e aflora de modo expresso em múltiplas e diferentes normas, nas quais o legislador muitas vezes necessita mencioná-los. São linhas diretrizes que informam algumas normas e inspiram direta ou indiretamente uma série de soluções, promovem e embasam a aprovação de normas, orientam a interpretação das existentes e resolvem os casos não previstos[2].

A Constituição federal prevê alguns princípios expressamente e outros implicitamente, sendo o principal princípio contido na Constituição de 1988, o princípio da Dignidade Humana, inserto como fundamento da República no artigo 1º, inciso IV. Na verdade o princípio da Dignidade da Pessoa Humana é que serve de base e alicerce para todos os demais princípios, mormente os que tratam de direitos e garantias fundamentais, pois este princípio é inerente a própria condição humana, todos tendo direito de preservação ampla por este princípio. Sobre o conceito de Dignidade da Pessoa Humana José Alfonso da Silva leciona que:

Dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. "Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer ideia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir ‘teoria do núcleo da personalidade' individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana". Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos exigência digna (art. 170), a ordem social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana[3].

Dentro da filosofia de Kant a Dignidade da pessoa humana serve como alicerce ao Ordenamento jurídico, de forma que, seria ilógico se as leis não respeitarem esse princípio, mesmo porque as leis são feitas por pessoas humanas, pois como o homem pode editar leis que possibilitem a retirada de sua própria dignidade, nesse sentido Konder Comparato:

A dignidade da pessoa não consiste apenas no fato de ser ela, diferentemente das coisas, um ser considerado e tratado como um fim em si e nunca como um meio para a consecução de determinado resultado. Ela resulta também do fato de que, pela sua vontade racional, isto é, como ser capaz de guiar-se pelas leis que ele próprio edita[4].

Neste mesmo sentido, pontifica Sarlet:

A qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, nesse sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos[5].

A dignidade da pessoa humana fica nos seus limites mínimos, quando se trata da aplicação do Direito Penal, pois o Estado, historicamente, sempre teve a tendência de ferir esse princípio fundamental. Pois, desrespeitado qualquer direito ou garantia fundamental, atingida e ferida estará a dignidade da pessoa humana.

1.2. Conceito e Breve Histórico

Os direitos fundamentais surgiram ainda na filosofia clássica, com a nomenclatura de direitos naturais, com o tempo evoluíram sendo reconhecidos e positivados a partir da Revolução Francesa na Declaração Universal de Direitos do Homem e do Cidadão 1789, em nossos dias esses direitos tem evoluído até a 4ª geração de direitos.

O reconhecimento formal desses direitos foi um marco para o fim do Estado Absoluto, de forma que o Estado passou a se submeter às leis de direito, além disso, foi inaugurada a era dos Estados Constitucionalistas. Dessa forma, o Estado teve a sua atuação na sociedade limitada pelos tratados internacionais, pela Lei ou pela Constituição, pois a maioria desses direito tem um caráter de imposição legal negativa à atuação do Estado, assim consistem em ditar ao Estado o que ele não pode fazer. Nesse sentido Canotilho apud Moraes:

... a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa)[6]

O Brasil tem reconhecidos esses direitos e garantias fundamentais na sua Constituição de 1988, em vários artigos, com maior destaque ao artigo 5º e seus incisos. Sobre o conceito de direitos fundamentais Alexandre de Moraes  cita a definição dada pela UNESCO:

A Unesco, também definindo genericamente os direitos humanos fundamentais, considera-os por um lado uma proteção de maneira institucionalizada dos direitos da pessoa humana contra os excessos do poder cometidos pelos órgãos do Estado, e por outro, regras para se estabelecerem condições humanas de vida e desenvolvimento da personalidade humana (Les dimensions internationales des droits de l´homme. Unesco, 1978, p. 11)[7].

Porém, a evolução desses direitos dificulta sobremaneira a precisão em conceitua-los, pois são várias as nomenclaturas utilizadas para esses direitos, sendo considerado o conceito anterior como genérico, sobre a dificuldade de conceituar esses direitos, José Afonso da Silva assim lecionou:

... a ampliação e transformação dos direitos fundamentais do homem no envolver histórico dificulta definir-lhes um conceito sintético e preciso. Aumenta essa dificuldade a circunstância de se empregarem varias expressões para designá-los, tais como: direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades públicas e direitos fundamentais do homem[8].

No entanto, para os tempos atuais, a nomenclatura mais adequada para esses direitos é realmente direitos fundamentais, conforme lecionou José Afonso da Silva:

... direitos fundamentais do homem constitui a expressão mais adequada a este estudo, porque, além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas[9].

Destarte, não existir antinomia entre princípios, pois esses não podem ser revogados, quando se conflitam, um poderá prevalecer sobre o outro, porém o hermeneuta deverá apreciá-los sempre tendo em vista a isonomia, a razoabilidade e a prudência, manifestadas na forma de proporcionalidade, ou seja, quando o Direito Fundamental conflitar com outros direitos e garantias igualmente tutelados pela Constituição, o que se deve é procurar protegê-lo por meio da técnica da ponderação, pois esses direitos têm como características as seguintes:

a) universalidade: todos os seres humanos estão abrangidos pelos Direitos Fundamentais, independente de sua situação social, política, econômica, sexo, idade, raça ou nacionalidade.

b) absolutos: os direitos fundamentais estão no patamar mais alto do ordenamento jurídico e não podem jamais sofrer restrições, limitados ou violados.

.c) historicidade: o alcance, o significado, a efetividade e até a existência de determinados direitos fundamentais variam conforme as circunstâncias históricas

d) inalienabilidade/indisponibilidade: segundo essa característica, os Direitos Fundamentais são insusceptíveis de serem transferidos onerosa ou gratuitamente.

e) constitucionalização: os direitos fundamentais encotram abrigo nas Constituições dos Estados Modernos.

f) vinculação dos Poderes Públicos: todos os Poderes Públicos são vinculados aos Direitos Fundamentais.

g) aplicabilidade imediata: os Direitos Fundamentais não carecem de regulamentação pelo legislador.

Sobre as características dos direitos fundamentais assim lecionou Alexandre de Moraes:

A previsão desses direitos coloca-se em elevada posição hermenêutica em relação aos demais direitos previstos no ordenamento jurídico, apresentando diversas características: imprescritibilidade, inalienabilidade, irrenunciabilidade, inviolabilidade, universabilidade, efetividade, interdependência e complemenatriedade[10].

A Constituição de 1988 tem um extenso rol de direitos fundamentais os quais estudaremos no capítulo seguinte.

1.3. Direitos Fundamentais na CF/1988

Os direitos e garantias fundamentais elencados Constituição Federal de 1988 não se limitam apenas aquele previstos no artigo 5º e incisos, pois a nossa Carta Magna os trouxe em seu Título II, "Dos Direitos e Garantias Fundamentais," subdividindo-os em cinco capítulos, seguindo a seguinte ordem: dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos; dos Direitos sociais; da Nacionalidade; dos Direitos Políticos; dos Partidos Políticos.

Pode-se também afirmar que os direitos e garantias fundamentais não se limitam apenas aos contidos e elencado no texto constitucional, pois a CF/1988 assume, de forma expressa os direitos provenientes dos tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil se obriga, conforme se percebe da leitura do parágrafo 3º do art. 5º:

Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Além disso, dada a importância dos direitos e garantias fundamentais para a consolidação do Estado democrático de Direito, a Constituição de 1988, na qualidade de uma Constituição rígida, aboliu qualquer possibilidade de abolir de seu texto os direitos e garantias fundamentais, inclusive pelo poder constituinte originário, tendo em vista que alçou os direitos e garantias individuais ao patamar de cláusulas pétreas conforme leitura do artigo 60, §4º, inciso IV.

1.4. Direitos Fundamentais no Direito Penal

A constitucionalização dos direitos e garantias fundamentais culminou na constitucionalização do direito penal e processual penal, de forma que a efetividade do Processo Penal, somente pode ser alcançada se forem assegurados os direitos e garantias fundamentais nas relações jurídicas. Assim, apesar do juiz ter certa flexibilidade no desempenho de suas atribuições, resguardado pelas diretrizes constitucionais, a sua hermenêutica deve estar atenta ao princípio do devido processo penal, desta feita, fica inaugurado o processo pena garantista.

O processo penal garantista consiste no processo penal baseado na proteção dos direitos e garantias fundamentais, remetendo a idéia de uma legalidade estrita, da qual decorrem os princípios da legalidade e anterioridade da lei penal, bem como da prévia cominação das penas. No tocante ao processo penal revela-se como verdadeiro alicerce o princípio do devido processo legal, do qual decorrem o princípio do contraditório e da ampla defesa, além disso, outros tantos princípios podem ser citados, como o princípio da proporcionalidade  entre delitos e penas, princípio do juiz natural, entre outros.

1.5. Contraditório e Ampla Defesa

A Constituição federal de 1988 em seu artigo 5º, inciso LV traz a garantia ao contraditório e a ampla defesa conforme letra do artigo:

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Vale a leitura da seguinte ementa:

EMENTA: HABEAS CORPUS. DELITO DE CONCUSSÃO (ART. 316 DO CÓDIGO PENAL). FUNCIONÁRIO PÚBLICO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. FALTA DE NOTIFICAÇÃO DO ACUSADO PARA RESPOSTA ESCRITA. ART. 514 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PREJUÍZO. NULIDADE. OCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA. 1. A defesa técnica suscitou, em sede de alegações finais, a falta de notificação prévia dos acusados para os fins do art. 514 do CPP. É dizer: verificada a inobservância do art. 514 do CPP na fase do art. 499 do CPP (redação originária), não se dá a preclusão da matéria. 2. O prejuízo pela supressão da chance de oferecimento de resposta preliminar ao recebimento da denúncia é indissociável da abertura em si do processo penal. Processo que, no caso, resultou em condenação, já confirmada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no patamar de 3 (três) anos de reclusão. 3. Na concreta situação dos autos, a ausência de oportunidade para o oferecimento da resposta preliminar na ocasião legalmente assinalada revela-se incompatível com a pureza do princípio constitucional da plenitude de defesa e do contraditório, mormente em matéria penal. Noutros termos, a falta da defesa preliminar à decisão judicial quanto ao recebimento da denúncia, em processo tão vincado pela garantia constitucional da ampla defesa e do contraditório, como efetivamente é o processo penal, caracteriza vício insanável. A ampla defesa é transformada em curta defesa, ainda que por um momento, e já não há como desconhecer o automático prejuízo para a parte processual acusada, pois o fato é que a garantia da prévia defesa é instituída como possibilidade concreta de a pessoa levar o julgador a não receber a denúncia ministerial pública. Logo, sem a oportunidade de se contrapor ao ministério público quanto à necessidade de instauração do processo penal - objetivo da denúncia do Ministério Público -, a pessoa acusada deixa de usufruir da garantia da plenitude de defesa para escapar à pecha de réu em processo penal. O que traduz, por modo automático, prejuízo processual irreparável, pois nunca se pode saber que efeitos produziria na subjetividade do magistrado processante a contradita do acusado quanto ao juízo do recebimento da denúncia. 4. Ordem concedida[11].

Dessa forma em qualquer processo, seja esfera penal, cível, trabalhista, tributária, administrativa, etc. está assegurado que será respeitada a ampla defesa. Sobre a ampla defesa:

O direito de defesa é imprescindível para a segurança individual. É um dos meios essenciais para que cada um possa fazer valer sua inocência quando injustamente acusado. (...) A ampla defesa contida na Constituição de 1988 assegura ao réu as condições que lhe possibilitem trazer ao processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário[12].

A ampla defesa consiste em ter o litigante ou acusado a defesa técnica, defesa própria, a todos os meios para produzir elementos que colaborem para a comprovação do alegado e para influenciar no livre convencimento do juiz. Consoante o direito à ampla defesa, segundo Greco Filho:

consideram-se meios inerentes à ampla defesa: a) ter conhecimento claro da imputação; b) poder apresentar alegações contra a acusação; c) poder acompanhar a prova produzida e fazer contra-prova; d) ter defesa técnica por advogado, cuja função, aliás, agora, é essencial à Administração da Justiça; e e) poder recorrer da decisão desfavorável[13].

Por outro lado, se alguém produz prova, deve esta ser  levada ao conhecimento do polo oposto da ação, de forma que esta possa também dizer sobre a prova, com o fim de desacreditá-la, invalidá-la, explicá-la, ou em resumo contraditá-la. Nisso consiste o direito ao contraditório.

1.6. Presunção de inocência

Embora a origem máxima in dubio pro reo possa ser vislumbrada desde o direito romano, especialmente por influência do Cristianismo, o princípio da presunção de inocência, regra tradicional no sistema da common law, insere-se entre os postulados fundamentais que presidiram a reforma do sistema repressivo empreendida pela revolução liberal do século XVIII. A regra da não culpabilidade – não obstante o seu relevo – não afetou nem suprimiu a decretabilidade das diversas espécies que assume a prisão cautelar em nosso direito positivo. Sobre o tema, vale a leitura das seguintes ementas:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA PARA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL. AUSÊNCIA DE BASE FÁTICA. GRAVIDADE DO CRIME. INIDONEIDADE. EXISTÊNCIA DE INQUÉRITOS E DE AÇÕES PENAIS EM ANDAMENTO. MAUS ANTECEDENTES. OFENSA AO ARTIGO 5º, INCISO LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. Prisão cautelar para garantia de eficácia da aplicação da lei penal fundada em simples afirmação de sua necessidade, sem indicação de elementos fáticos que a ampare. Inidoneidade. 2. A invocação da gravidade abstrata do crime não justifica a prisão preventiva para garantia da ordem pública. Precedentes. 3. A existência de inquérito e de ações penais em andamento não caracteriza a existência de maus antecedentes, pena de violação do princípio da presunção de inocência. Precedentes. Ordem concedida a fim de que o paciente seja posto em liberdade, se por al não estiver preso[14].

Neste mesmo sentido:

 

EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTOS CONCRETOS QUE JUSTIFIQUEM A DECRETAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR DA PACIENTE NA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. RÉ QUE PERMANCEU EM LIBERDADE DURANTE A INSTRUÇÃO CRIMINAL. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA (ART. 312 DO CPP). PRECEDENTES. I - Paciente que esteve em liberdade durante toda a instrução criminal e cuja prisão preventiva foi determinada por ocasião da sentença condenatória, sem qualquer fundamentação concreta dos requisitos do art. 312 do CPP. II - O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que a execução provisória da pena, ausente a justificativa da segregação cautelar, fere o princípio da presunção de inocência. Precedentes. III - Ordem concedida[15].

Também contribui para melhor entendimento a seguinte decisão:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL, PROCESSUAL PENAL E CONSTITUCIONAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. GRAVIDADE DO CRIME. FUNDAMENTO INIDÔNEO. ADITAMENTO DA DECISÃO QUE INDEFERIU A LIBERDADE PROVISÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. ARTIGO 44 DA LEI N. 11.343/06. INCONSTITUCIONALIDADE: NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO DESSE PRECEITO AOS ARTIGOS 1º, INCISO III, E 5º, INCISOS LIV E LVII DA CONSTITUIÇAÕ DO BRASIL. EXCEÇÃO À SÚMULA N. 691-STF. 1. A jurisprudência desta Corte está sedimentada no sentido de que a gravidade do crime não justifica, por si só, a necessidade da prisão preventiva. Precedentes. 2. Não é dado às instâncias subseqüentes aditar, retificar ou suprir decisões judiciais, mormente quando a falta ou a insuficiência de sua fundamentação for causa de nulidade. Precedentes. 3. Liberdade provisória indeferida com fundamento na vedação contida no art. 44 da Lei n. 11.343/06, sem indicação de situação fática vinculada a qualquer das hipóteses do artigo 312 do Código de Processo Penal. 4. Entendimento respaldado na inafiançabilidade do crime de tráfico de entorpecentes, estabelecida no artigo 5º, inciso XLIII da Constituição do Brasil. Afronta escancarada aos princípios da presunção de inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana. 5. Inexistência de antinomias na Constituição. Necessidade de adequação, a esses princípios, da norma infraconstitucional e da veiculada no artigo 5º, inciso XLIII da Constituição do Brasil. A regra estabelecida na Constituição, bem assim na legislação infraconstitucional, é a liberdade. A prisão faz exceção a essa regra, de modo que, a admitir-se que o artigo 5º, inciso XLIII estabelece, além das restrições nele contidas, vedação à liberdade provisória, o conflito entre normas estaria instalado. 6. A inafiançabilidade não pode e não deve --- considerados os princípios da presunção de inocência, da dignidade da pessoa humana, da ampla defesa e do devido processo legal --- constituir causa impeditiva da liberdade provisória. 7. Não se nega a acentuada nocividade da conduta do traficante de entorpecentes. Nocividade aferível pelos malefícios provocados no que concerne à saúde pública, exposta a sociedade a danos concretos e a riscos iminentes. Não obstante, a regra consagrada no ordenamento jurídico brasileiro é a liberdade; a prisão, a exceção. A regra cede a ela em situações marcadas pela demonstração cabal da necessidade da segregação ante tempus. Impõe-se porém ao Juiz o dever de explicitar as razões pelas quais alguém deva ser preso ou mantido preso cautelarmente. Ordem concedida a fim de que o paciente seja posto em liberdade, se por al não estiver preso[16].

O instituto da tutela cautelar penal, que não veicula qualquer idéia de sanção, revela-se compatível com o princípio da não culpabilidade.


II – INQUÉRITO POLICIAL

2.1.     Conceito

Inquérito Policialé um procedimento administrativo, investigatório, cuja atribuição de presidência pertence á autoridade policial, tendo o escopo de apurar a materialidade e os indícios de autoria de uma prática delitiva, para oferecer subsídios a uma futura ação penal. De forma que, resumidamente, o inquérito policial é o procedimento policial destinado a reunir elementos necessários à apuração da prática de uma infração penal e de sua autoria (vide art. 4º do CPP). Para Tourinho Filho:

... o inquérito policial é o conjunto de diligencias realizadas pela polícia judiciária para apuração de uma infração penal e sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo[17].

O destinatário imediato do IP é o Ministério Público ou o ofendido, nos casos de ação penal privada, que com ele formam a sua opinio delicti para a propositura da denúncia ou queixa, respectivamente. O destinatário mediato é o juiz, que nele pode encontrar elementos para julgar.

2.2.     Histórico

O Direito Romano exerceu grande influência sobre o direito pátrio, não obstante, uma das raízes mais distantes do inquérito policial é encontrada em Roma, local onde o acusador recebia do magistrado direito para proceder a diligências, podendo ir aos locais de infração, coletar dados, fazer buscas e apreensões, ouvir testemunhas etc.

Já na Europa na época das grandes navegações, destaca-se Portugal, que enquanto potência colonizadora tinha como principais regras jurídicas as denominadas Ordenações. Foram elas que vigoraram durante todo o período do Brasil-Colônia, ou seja, as Ordenações Reais, compostas pelas Ordenações Afonsinas (1446), Ordenações Manuelinas (1521) e Ordenações Filipinas (1603), sendo esta, fruto da união das Ordenações Manuelinas com as leis extravagantes em vigência. Após a independência do Brasil, já não era conveniente a manutenção das Ordenações Filipinas, sendo necessário a criação do nosso sistema de leis.

Portanto, algumas leis foram elaboradas, entre elas o Código de Processo Criminal, em 29 de novembro de 1832, alterando substancialmente o direito brasileiro, não só suprimindo a investigação criminal Filipina, como também reestruturando o sistema judiciário. No entanto não havia disciplina para o inquérito policial, conforme as letras de Jose Rodrigues Maciel:

Ao chefe de polícia e ao delegado cabiam, inclusive, atribuições próprias de Juiz, como expedir mandados de busca, conceder fianças, julgar crimes comuns e, ainda, proceder à formação de culpa. Desde esta época a instrução criminal passou a ser matéria de polícia. Já o inquérito policial, nos termos que temos hoje, só foi criado em 1871, pela Lei n. 2.033, regulamentada pelo Decreto n. 4.824, de 22 de novembro do mesmo ano, que separou Justiça e Polícia de uma mesma organização. Somente com a promulgação do Código de Processo Penal de 1941, onde o Inquérito Policial é previsto e disciplinado, é que o mesmo fica, de fato, consolidado. Porém, deve-se ter em mente que o Ministério Público pode dispensá-lo e promover diretamente investigações próprias para elucidação de delitos, como nos caso de representação direta ao Ministério Público, pelo ofendido ou pelo juiz[18].

2.3.     Natureza Jurídica do IP

A natureza jurídica do Inquérito policial é a de procedimento administrativo, portanto não se confunde com o processo, o antecede e após fará parte dele.

No entanto, durante sua realização, não é dada a oportunidade de contraditar as provas, sendo necessário que as provas colhidas sejam colocadas ao crivo do contraditório durante a fase processual, assim, as provas colhidas, na fase inquisitiva, não tem valor probante, neste sentido, Barros:

Todas as provas que a polícia amealhar com o intuito de assegurar a preservação da verdade devem ser submetidas ao crivo do contraditório, no transcurso da segunda fase da persecução penal[19].

Porém isso não quer dizer que o Inquérito Policial não tem valor para o processo penal, apenas significa dizer que as provas colhidas nele somente terão valor após ter sido dada a oportunidade de ampla defesa e contraditório ao acusado, princípios assegurados constitucionalmente, sob pena de nulidade das decisões que se basearem nestas provas, neste sentido:

Que o inquérito policial não é processo penal, no sentido formal, todos o sabem. Tornar-se até enfadonho repeti-lo. É de rudimentar conhecimento jurídico que, naquele, não há o princípio do contraditório, existente apenas no segundo. Mas, daí dizer-se que o inquérito policial, na sistemática do Direito Processual Penal Brasileiro, nada representa é não somente uma contradição à razão lógica dos fatos e da lei como, também, é confundir preconceito com Ciência Jurídica[20].

E continua o autor:

É interessante notar que o inquérito policial, desde a sua criação com esse nomen juris e durante longo espaço de tempo – mais de meio século – sempre foi analisado por grandes juristas brasileiros na medida de sua real importância para a realização da prova do processo penal; todavia, verificou-se, a seguir, um período em que se procurou minimizar-lhe o valor, a tal ponto de ser, de algum modo, esquecido por alguns professores em suas aulas, pois falar de Polícia fazendo sobressair as suas falhas rendia mais popularidade; falar de suas verdadeira finalidades, especialmente no tange ao inquérito – embrião fático do processo crime – talvez não rendesse dividendos intelectuais. De cerca de 20 anos para cá, com grande satisfação, descobrimos que novamente se procura mostrar esta peça – inquérito policial – dentro do que ela, de fato, representa no Direito brasileiro. Ibidem[21].

Assim, deve haver um limite ao sigilo do inquérito, principalmente em relação à defesa técnica ter acesso aos autos, evitando-se assim que exista, na ocasião do eventual oferecimento da denúncia, o advento de um prova surpresa, que dificulte a defesa prévia, por exemplo, ou que enseje em uma das hipóteses de cerceamento da liberdade do futuro acusado.

2.4. Características do IP

O Inquérito Policial é sigiloso, pois o sigilo nesta fase é muitas vezes imprescindível, de um lado para preservar a imagem do investigado, que muitas vezes poderia ter tem sua intimidade exposta, ou outras formas de constrangimento que causem dano à sua imagem. Por outro lado, se não houver sigilo, a investigação fica comprometida, pois os investigados iriam dificultar ou impedir o bom andamento do feito, com destruição de provas, por exemplo.

Destarte, o sigilo (segredo de justiça) - decretado pela autoridade judiciária – somente se impõe quando necessária para que possa a Autoridade Policial providenciar as diligências necessárias para a completa elucidação do fato sem que lhe oponham os empecilhos para impedir a coleta de provas ou quando exigido pela sociedade (art. 20 do CPP). Este sigilo não se estende ao MP (art. 5º, III, da LOMP), nem ao Judiciário.

O advogado só pode ter acesso ao Inquérito Policial quando possua legitimatio ad procedimentus, e quando decretado o sigilo, não está autorizada a sua presença a atos procedimentais diante do princípio da inquisitoriedade que norteia o nosso CPP quanto à investigação.

Pode, porém, manusear e consultar os autos, findos ou em andamento (art. 89, XV, do Estatuto da OAB), quando este não tiver atos procedimentais pendentes de realização.

Além da característica sigilosa, o Inquérito policial respeita a oficialidade, pois somente pode ser realizado pela polícia judiciária, que no âmbito estadual é exercido pela Polícia Civil e no âmbito Federal pela polícia Federal.

Já a oficiosidade, é uma consequência do princípio da legalidade da ação penal pública, onde o inquérito mesmo sem provocação tem de ser instaurado, ou seja, independe de prévia autorização do Poder Judiciário para sua concretização jurídico-material, dentro dos limites legais (ex.: mandado de busca e apreensão), podendo ser submetida ao controle jurisdicional através de Habeas Corpus ou Mandado de Segurança.

Desta oficiosidade decorre a característica da autoridade, pela qual a presidência do Inquérito cabe ao Delegado de Policia, seja estadual ou federal, conforme o caso. A autoridade policial preside o processo, decidindo quais e quando serão feitas as diligências, requerendo autorização judicial quando necessário, possuindo certa discricionariedade.

Porém, o inquérito é Indisponível, por isso, iniciado o inquérito, terá de ser concluído, não pode o Delegado arquivar o inquérito, isso cabe ao Ministério Público, desde que anuído pelo Judiciário. O inquérito policial é inquisitivo, de forma que não existe a garantia do contraditório na fase de inquérito, de forma que as atividades de investigação se concentram nas mãos de uma única autoridade.

2.1. Do Caráter Apenas Inquisitivo

Como vimos, as principais características do inquérito policial, são: procedimento escrito, sigiloso,  oficial, oficioso, indisponível e inquisitivo. É o caráter inquisitivo que serve de óbice ao contraditório no inquérito policial, sobre o caráter inquisitivo do inquérito policial Frederico MARQUES leciona que:

O inquérito policial não é um processo, mas simples procedimento. O Estado, por intermédio da polícia, exerce um dos poucos poderes de autodefesa que lhe é reservado na esfera de repressão ao crime, preparando a apresentação em juízo da pretensão punitiva que na ação penal será deduzida por meio da acusação. O seu caráter inquisitivo é, por isso mesmo, evidente. A polícia investiga o crime para que o Estado possa ingressar em juízo, e não para resolver uma lide, dando a cada um o que é seu. Donde ter dito BIRKMEYER que, na fase policial da persecutio criminis, "o réu é simples objeto de um procedimento administrativo, e não sujeito de um processo jurisdicionalmente garantido". Em face da polícia, o indiciado é apenas objeto de pesquisas e investigações, porquanto ela representa o Estado como titular do direito de punir, e não o Estado como juiz[22].

Dessa forma, o Inquérito policial não está sobre o crivo do contraditório, pois não há acusação nem defesa, somente levantamento de fatos para uma possível denúncia / queixa-crimeposterior. A Jurisprudência do STJ assim dispõe:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA INDEFERIDA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. REPERCUSSÃO DO DELITO. VEDAÇÃO LEGAL. MEDIDA QUE NÃO SE JUSTIFICA. POUCA DROGA.

PENA FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. ORDEM CONCEDIDA.

1. Conforme reiterada jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, toda custódia imposta antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória exige concreta fundamentação, nos termos do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal.

2. Se o magistrado de primeira instância indeferiu o pedido de liberdade provisória amparado apenas na vedação legal contida no art. 44 da Lei n. 11.343/06, na quantidade de droga (28 pedras de cocaína) e na repercussão social causada pelo delito, fica evidente o constrangimento ilegal. Tais motivos não se revelam idôneos para justificar a imprescindibilidade da medida extrema, destacando-se que já foi proferida sentença condenatória, sendo fixada a reprimenda no mínimo legal.

3. É pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o inquérito policial é procedimento inquisitivo e não sujeito ao contraditório, razão pela qual a realização de interrogatório sem a presença de advogado não é causa de nulidade.

4. Ordem parcialmente concedida para garantir à paciente o direito de aguardar em liberdade o trânsito em julgado da condenação[23].

2.2. Dispensabilidade do Inquérito

Outro fator a se considerar é que o Inquérito policial não é imprescindível para o oferecimento da denúncia, tampouco para que seja instaurada a ação penal. Assim o Inquérito policial é dispensável, pois, devido a seu caráter inquisitivo, constitui-se em peça meramente informativa, nete sentido, leciona DAMÁSIO DE JESUS:

O inquérito policial não é imprescindível ao oferecimento de denúncia ou queixa, desde que a peça acusatória tenha fundamento em dados de informação suficiente à caracterização da materialidade e autoria da infração penal (STF, RTF 76/741; TRF 3ª Reg., HC 98.03.010696, 1ª Turma, Rel. des. Fed. Roberto Haddad, RT 768/719)[24].

Neste mesmo sentido, defendendo que Inquérito Policial é peça meramente informativa, cuja finalidade é colher  provas para permitir que seja iniciada a  ação penal pelo seu titular (MP ou Ofendido), pontifica TOURINHO FILHO:

O inquérito policial é peça meramente informativa. Nele se apuram a infração penal com todas as suas circunstâncias e a respectiva autoria. Tais informações têm por finalidade permitir que o titular da ação penal, seja o Ministério Público, seja o ofendido, possa exercer o jus persequendi in judicio, isto é, possa iniciar a ação penal[25].

Considerando que o Inquérito tem caráter inquisitivo cuja finalidade é apenas trazer informações para que o titular da ação penal possa propô-la, fica evidente que o valor probatório não está  totalmente presente nesta  fase, pois  serve apenas para comprovar a materialidade do fato típico e indicar a possível autoria; fica evidente que caso o titular da ação penal já possuir elementos suficientes para as condições da ação penal  o inquérito pode ser dispensado. Assim o Inquérito Policial serve como um caminho para se chegar a ação penal, mas não como fundamento, tampouco é o único caminho para tal, apesar de ser o mais utilizado. Segundo CAPEZ:

O titular da ação penal pode abrir mão do inquérito policial, mas não pode eximir-se de demonstrar a verossimilhança da acusação, ou seja, a justa causa da imputação, sob pena de ver rejeitada a peça inicial. Não se concebe que a acusação careça de um mínimo de elementos de convicção[26].

A possibilidade de dispensa do Inquérito policial tem previsão legal, segundo o Artigo 27 do Código de Processo Penal:

Art. 27. Qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que caiba a ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção.

No mesmo sentido, a artigo 39 do Código de Processo Penal, traz a seguite previsão em seu parágrafo 5º:

Art. 39.

§5º. O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de 15 (quinze) dias.

Percebe-se que, o Ministério público, enquanto titular da ação penal pode receber a "notitia criminis" de qualquer do povo, estando esta com indícios de autoria e de materialidade, de nada serviria instaurar-se um inquérito policial. Segundo a jurisprudência:

HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. ART. 171, CAPUT DO CÓDIGO PENAL. 1 - O inquérito policial não é procedimento indispensável à propositura da ação penal (RHC nº 58.743/ES, Min. Moreira Alves, DJ 08/05/1981 e RHC nº 62.300/RJ, Min. Aldir Passarinho). 2 - Denúncia que não é inepta, pois descreve de forma clara a conduta atribuída aos pacientes, que, induzindo a vítima em erro, venderam a ela um falso seguro, omitindo a existência de cláusulas que lhe eram prejudiciais visando à obtenção de vantagem ilícita, fato que incide na hipótese do art. 171, caput do Código Penal. Alegações que dependem de análise fático-probatória, que não se coaduna com o rito angusto do habeas corpus. 3 - Esta Corte já firmou o entendimento de que, em se tratando de crimes societários ou de autoria coletiva, é suficiente, na denúncia, a descrição genérica dos fatos, reservando -se à instrução processual a individualização da conduta de cada acusado (HC nº 80.204/GO, Min. Maurício Corrêa, DJ 06/10/2000 e HC nº 73.419/RJ, Min. Ilmar Galvão, DJ 26/04/1996. 4 - "Habeas corpus" indeferido[27].

Neste mesmo sentido, a jurisprudência do STJ:

HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ART. 1o., I E II DA LEI 8.137/90). SÚMULA 691/STF. IMPETRAÇÃO JULGADA NA ORIGEM. PLEITO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL IMPROCEDENTE. CRÉDITO TRIBUTÁRIO DEVIDAMENTE INSCRITO EM DÍVIDA ATIVA E SEM SUSPENSÃO DE EXIGIBILIDADE. DISPENSABILIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA NÃO CARACTERIZADA. PARECER DO MPF PELA PREJUDICIALIDADE DO WRIT. ORDEM DENEGADA.

1.   Superado o óbice do enunciado 691 da Súmula do STF, tendo em vista o julgamento do mérito do writ originário.

2.   Impossível acatar o pleito de trancamento da ação penal, uma vez que, conforme consta dos autos, a informação mais atualizada da Receita Federal do Brasil aponta para a inscrição dos créditos na dívida ativa da União, por decisão definitiva.

3.   Ademais, mesmo que se admita a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, ainda que por um curto período de tempo, é preciso reconhecer que tal crédito estava constituído, por decisão definitiva da autoridade fiscal, quando do oferecimento da denúncia, segundo informação da RFB.

4.   A jurisprudência do STF e do STJ é pacífica em relação à dispensabilidade do Inquérito Policial, de maneira que o Parquet, como único titular da Ação Penal Pública, tem liberdade para a colheita dos elementos indispensáveis ao oferecimento da denúncia.

Igualmente, não há se falar em contraditório e ampla defesa em sede de Inquérito Policial, tendo em vista sua natureza inquisitorial.

5.   É certo que a peça denunciatória tem de trazer no seu próprio contexto os elementos que demonstram a certeza da acusação e a seriedade da imputação, não se admitindo expressões genéricas, abstratas ou meramente opinativas, o que induz a sua peremptória inaceitabilidade; porém, neste caso, ao contrário do que se afirma, a denúncia atende aos requisitos elencados no art. 41 do CPP, pois contém a exposição clara dos fatos tidos como delituosos, a qualificação dos acusados, a classificação do crime e o nexo de causalidade, de maneira a permitir a articulação defensiva.

6.    No caso, a denúncia aponta com clareza que o paciente, na qualidade de sócio-administrador da empresa, obrigado, assim, em tese, ao gerenciamento das obrigações com o fisco, no período em que exerceu suas atividades, suprimiu tributos mediante diversas ações ou omissões (não recolhimento do IRPJ, da CSLL, do PIS e da COFINS na época própria como contribuinte de obrigações tributárias próprias ou como substituto tributário). Verifica-se, ainda, da inicial acusatória, que o acusado não logrou explicar ao Fisco, de modo convincente, inúmeras transferências de recursos feitas entre as empresas do grupo, em especial a origem e o destino das movimentações financeiras.

7.   Não é inepta a denúncia que, em crimes societários ou de autoria coletiva, descreve satisfatoriamente a conduta imputada ao denunciado, permitindo-lhe o pleno exercício da ampla defesa e do contraditório. Precedentes do STJ.

8.   Parecer do MPF pela prejudicialidade do writ.

9.   Ordem denegada[28].

Neste mesmo sentido, ainda segundo o STJ:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART. 288, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL, ART. 1º E SEGUINTES DA LEI Nº 9.034/95 E ART. 35 DA LEI Nº 11.343/06. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA EXORDIAL ACUSATÓRIA. INOCORRÊNCIA. DENÚNCIA OFERECIDA COM BASE EM INVESTIGAÇÃO ADMINISTRATIVA REALIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. DISPENSABILIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL. APONTADA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO PRISIONAL. PRISÃO PREVENTIVA. SEGREGAÇÃO CAUTELAR DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA NA GARANTIA DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL. RÉU FORAGIDO.

I - A peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias. (HC 73.271/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 04/09/1996). Denúncias genéricas que não descrevem os fatos na sua devida conformação, não se coadunam com os postulados básicos do Estado de Direito. (HC 86.000/PE, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJU de 02/02/2007). A inépcia da denúncia caracteriza situação configuradora de desrespeito estatal ao postulado do devido processo legal.

II - A exordial acusatória, na hipótese, contudo, apresenta uma narrativa congruente dos fatos (HC 88.359/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Cezar Peluso, DJU de 09/03/2007), de modo a permitir o pleno exercício da ampla defesa (HC 88.310/PA, Segunda Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJU de 06/11/2006), descrevendo conduta que, ao menos em tese, configura crime (HC 86.622/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJU de 22/09/2006), ou seja, não é inepta a denúncia que atende aos ditames do art. 41 do Código de Processo Penal (HC 87.293/PE, Primeira Turma, Rel. Min. Eros Grau, DJU de 03/03/2006).

III - Além disso, havendo descrição da conduta que possibilita a adequação típica, não há que se falar em inépcia da denúncia por falta de individualização da conduta. A circunstância, por si só, de o Ministério Público ter imputado a mesma conduta aos vários denunciados não torna a denúncia genérica (HC 89.240/DF, Segunda Turma, Rel. Min. Eros Grau, DJU de 27/04/2007).

IV - Ainda, é geral, e não genérica, a denúncia que atribui a mesma conduta a todos os denunciados, desde que seja impossível a delimitação dos atos praticados pelos envolvidos, isoladamente, e haja indícios de acordo de vontades para o mesmo fim (STJ: RHC 21284/RJ, 5ª Turma, Relatora Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG), 5ª Turma, DJU de 01/10/2007) V - O inquérito policial, por ser peça meramente informativa, não é pressuposto necessário para a propositura da ação penal, podendo essa ser embasada em outros elementos hábeis a formar a opinio delicti de seu titular (Precedentes desta Corte e do c. Pretório Excelso).

VI - A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional (HC 90.753/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 22/11/2007), sendo exceção à regra (HC 90.398/SP, Primeira Turma. Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJU de 17/05/2007).

Assim, é inadmissível que a finalidade da custódia cautelar, qualquer que seja a modalidade (prisão em flagrante, prisão temporária, prisão preventiva, prisão decorrente de decisão de pronúncia ou prisão em razão de sentença penal condenatória recorrível) seja deturpada a ponto de configurar uma antecipação do cumprimento de pena (HC 90.464/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJU de 04/05/2007). O princípio constitucional da não-culpabilidade se por um lado não resta malferido diante da previsão no nosso ordenamento jurídico das prisões cautelares (Súmula nº 09/STJ), por outro não permite que o Estado trate como culpado aquele que não sofreu condenação penal transitada em julgado (HC 89501/GO, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 16/03/2007). Desse modo, a constrição cautelar desse direito fundamental (art. 5º, inciso XV, da Carta Magna) deve ter base empírica e concreta (HC 91.729/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJU de 11/10/2007). Assim, a prisão preventiva se justifica desde que demonstrada a sua real necessidade (HC 90.862/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Eros Grau, DJU de 27/04/2007) com a satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do Código de Processo Penal, não bastando, frise-se, a mera explicitação textual de tais requisitos (HC 92.069/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJU de 09/11/2007). Não se exige, contudo fundamentação exaustiva, sendo suficiente que o decreto constritivo, ainda que de forma sucinta, concisa, analise a presença, no caso, dos requisitos legais ensejadores da prisão preventiva (RHC 89.972/GO, Primeira Turma, Relª. Minª. Cármen Lúcia, DJU de 29/06/2007).

VII - No caso, o decreto prisional encontra-se devidamente fundamentado, com expressa menção à situação concreta que se caracteriza pela garantia da aplicação da lei penal, tendo em vista que o paciente encontra-se foragido.

VIII - Dessa forma, a fuga do réu, no caso concreto, constitui motivo suficiente a embasar a custódia cautelar (Precedentes).

Recurso desprovido[29].

2.3. Vícios no Inquérito Policial e as Nulidades

Os atos processuais, judiciais e administrativos obedecem a procedimentos formais, previstos na lei, quando deixam de observar a formalidade legal, diz estarem com vícios, entendidos, portanto, como defeitos, falhas ou imperfeições. A presença de vícios pode acarretar nulidades, ou seja,  o ato não produz efeitos jurídicos, segundo Paulo Lúcio Nogueira: .

Nulidade seria a inobservância de exigências ou formas legais em que o ato é destituído de validade (nulo) ou há possibilidade de invalidá-lo (anulável)[30].

Ocorrendo um vício na fase postulatória, ou seja, na denúncia ou queixa, a nulidade pode ser estendida a todo o processo, nulidade ab initio, porém se a nulidade ocorreu na fase de instrução, não serão afetadas as demais fases anteriores, tampouco as provas que dela independem serão atingidas, mas uma coisa é comum qualquer seja a nulidade, se for arguida ao fim do processo, todas as nulidades recaem sobre a sentença, conforme a doutrina de Acir Antônio Breda:

... a nulidade da fase postulatória se propaga para os demais atos do processo, enquanto que a nulidade da instrução criminal, via de regra, não contamina os demais atos de aquisição de prova, validamente realizados. Em qualquer caso, a nulidade se projeta sobre a sentença[31].

No entanto, se tiver ocorrido o vício na fase do inquérito, a ação penal não será atingida, pois o inquérito é apenas peça informativa, conforme ensina Capez:

Não sendo o inquérito policial ato de manifestação do Poder Jurisdicional, mas mero procedimento informativo destinado à formação da opinio delicti do titular da ação penal, os vícios por acaso existentes nessa fase não acarretam nulidades processuais, isto é, não tingem a fase seguinte da persecução penal: a da ação penal. A irregularidade poderá, entretanto, gerar a invalidade e a ineficácia do ato inquinado, v.g., do auto de prisão em flagrante como peça coercitiva; do reconhecimento pessoal, da busca e apreensão, etc[32].

Neste mesmo sentido, entende Mirabete[33]:

O inquérito policial, em síntese, é mero procedimento informativo e não ato de jurisdição e, assim, os vícios nele acaso existentes não afetam a ação penal a que deu origem. A desobediência a formalidades legais pode acarretar, porém, a ineficácia do ato em si (prisão em flagrante, confissão etc.). Além disso, eventuais irregularidades podem e devem diminuir o valor dos atos a que se refiram e, em certas circunstâncias, do procedimento inquisitorial considerado globalmente.

E deste mesmo raciocínio conclui Paulo Rangel:

Conclusão: pode haver ilegalidade nos atos praticados no curso do inquérito policial, a ponto de acarretar seu desfazimento pelo judiciário, pois os atos nele praticados estão sujeitos à disciplina dos atos administrativos em geral. Entretanto, não há que se falar em contaminação da ação penal em face de defeitos ocorridos na prática dos atos do inquérito, pois este é peça meramente de informação e, como tal, serve de base à denúncia. No exemplo citado, o auto de prisão em flagrante, declarado nulo pelo judiciário via habeas corpus, serve de peça de informação para que o Ministério Público, se entender cabível, ofereça denúncia[34].

Sobre o assunto, a Jurisprudência já tem seu entendimento:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. IRREGULARIDADE NO RECONHECIMENTO PESSOAL E FOTOGRÁFICO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. AÇÃO PENAL NÃO CONTAMINADA POR EVENTUAIS VÍCIOS OCORRIDOS NO INQUÉRIO POLICIAL. CONDENAÇÃO ARRIMADA EM PROVAS PRODUZIDAS NA AÇÃO PENAL. NEGLIGÊNCIA DE DEFESA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. 1. Irregularidade no reconhecimento pessoal e fotográfico do paciente. Apuração que demanda reexame de fatos e provas. Eventuais vícios ocorridos no inquérito policial não contaminam a ação penal. 2. Condenação arrimada em provas produzidas na ação penal, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. 3. Ausência de comprovação de negligência da defesa. Ordem denegada[35].

Como antecedente a essa decisão, no mesmo sentido, sob a Relatoria do Excelente Ministro Celso de Mello:

E M E N T A: HABEAS CORPUS - ALEGAÇÃO DE IRREGULARIDADE EM INQUÉRITO POLICIAL - PRETENDIDO RECONHECIMENTO DE NULIDADE PROCESSUAL - INADMISSIBILIDADE - TARDIA ARGÜIÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA - ALEGADA DEFICIÊNCIA DA DEFESA TÉCNICA -NÃO-DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO - SÚMULA 523/STF - REEXAME DA MATÉRIA DE FATO EM HABEAS CORPUS - IMPOSSIBILIDADE - PEDIDO INDEFERIDO. INQUÉRITO POLICIAL - UNILATERALIDADE - A SITUAÇÃO JURÍDICA DO INDICIADO. - O inquérito policial, que constitui instrumento de investigação penal, qualifica-se como procedimento administrativo destinado a subsidiar a atuação persecutória do Ministério Público, que é - enquanto dominus litis - o verdadeiro destinatário das diligências executadas pela Polícia Judiciária. A unilateralidade das investigações preparatórias da ação penal não autoriza a Polícia Judiciária a desrespeitar as garantias jurídicas que assistem ao indiciado, que não mais pode ser considerado mero objeto de investigações. O indiciado é sujeito de direitos e dispõe de garantias, legais e constitucionais, cuja inobservância, pelos agentes do Estado, além de eventualmente induzir-lhes a responsabilidade penal por abuso de poder, pode gerar a absoluta desvalia das provas ilicitamente obtidas no curso da investigação policial. PERSECUÇÃO PENAL - MINISTÉRIO PÚBLICO - APTIDÃO DA DENÚNCIA. O Ministério Público, para validamente formular a denúncia penal, deve ter por suporte uma necessária base empírica, a fim de que o exercício desse grave dever-poder não se transforme em instrumento de injusta persecução estatal. O ajuizamento da ação penal condenatória supõe a existência de justa causa, que se tem por inocorrente quando o comportamento atribuído ao réu "nem mesmo em tese constitui crime, ou quando, configurando uma infração penal, resulta de pura criação mental da acusação" (RF 1 50/393, Rel. Min. OROZIMBO NONATO). A peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias. Essa narração, ainda que sucinta, impõe-se ao acusador como exigência derivada do postulado constitucional que assegura ao réu o pleno exercício do direito de defesa. Denúncia que não descreve adequadamente o fato criminoso é denúncia inepta. Precedente. MOMENTO DE ARGÜIÇÃO DA INÉPCIA DA DENÚNCIA. Eventuais defeitos da denúncia devem ser argüidos pelo réu antes da prolação da sentença penal, eis que a ausência dessa impugnação, em tempo oportuno, claramente evidencia que o acusado foi capaz de defender-se da acusação contra ele promovida. Doutrina e Precedentes. VÍCIOS DO INQUÉRITO POLICIAL. Eventuais vícios formais concernentes ao inquérito policial não têm o condão de infirmar a validade jurídica do subseqüente processo penal condenatório. As nulidades processuais concernem, tão-somente, aos defeitos de ordem jurídica que afetam os atos praticados ao longo da ação penal condenatória. Precedentes. NULIDADE PROCESSUAL E AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. A disciplina normativa das nulidades no sistema jurídico brasileiro rege-se pelo princípio segundo o qual "Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa" (CPP, art. 563). Esse postulado básico - pas de nullité sans grief - tem por finalidade rejeitar o excesso de formalismo, desde que a eventual preterição de determinada providência legal não tenha causado prejuízo para qualquer das partes. Jurisprudência. HABEAS CORPUS E REEXAME DA PROVA. O reexame dos elementos probatórios produzidos no processo penal de condenação constitui matéria que ordinariamente refoge ao âmbito da via sumaríssima do habeas corpus[36].

Majoritariamente a doutrina tem se posicionado no sentido de que o inquérito, mesmo contendo vícios, nunca é nulo, conforme entendimento de Flávio M. Medeiros:

O inquérito policial que contém irregularidades, no processo dos crimes que se inicia mediante denúncia, não acarreta nunca nulidade do processo. E por um motivo bastante simples: o inquérito nestes processos (iniciados por meio da denúncia) não é peça processual, e sim peça meramente informativa. Ora, não há de se falar em nulidade de processo devido a vícios de peças não processuais. O inquérito só é peça processual no processo das contravenções e dos crimes de lesões e homicídio culposo; neste caso, as nulidades do inquérito incidem sobre o processo[37].

Apesar de a ocorrência de vícios no Inquérito policial, não provocar nulidades que atinjam o processo, pode acarretar nulidades incidentes no próprio inquérito, que terão reflexo na ação penal, mas não a ponto de prejudica-la, como é o caso de nulidade absoluta do auto de prisão em flagrante, que mesmo nulo, tem como única consequência o fim da prisão cautelar, com o livramento do indvíduo, neste sentido Pelegrini, Scarance e outro:

Frise-se, entretanto, que o reconhecimento da nulidade do auto de prisão em flagrante atinge unicamente o seu valor como instrumento da coação cautelar, não tendo repercussão no processo-crime (STF, RHC 61.252-1, RT, 584/468; TAPR, RT 678/365, TJSP, RT 732/622), nem impede que o juiz, verificando a existência dos pressupostos do art. 312 do Código de Processo Penal, decrete a prisão preventiva[38].

Portanto, quando se tratar de prisão em flagrante, ou outra modalidades de prisão cautelar, os atos realizados durante o inquérito policial, deverão obedecer e seguir a risca, todas as prescrições legais, pois, do contrário, o auto de prisão em flagrante, bem como os pedidos de prisão cautelar, tornam-se peças coercitivas, passíveis do relaxamento de prisão. Destarte, neste caso, o juiz não pode apoiar-se em inquérito policial, no qual não foram observados todos os ditames legais para a decretação ou mantença de custódia carcerária. De forma que, é possível a ocorrência de nulidades durante a fase inquisitiva do inquérito policial e pode ser feita a sua arguição em juízo, porém não contamina o processo. Assim, por ser um procedimento administrativo, informativo e dispensável a existência de vícios no inquérito policial, pode acarretar nulidades em determinados procedimentos cautelares como prisão preventiva, prisão em flagrante, no entanto, dificilmente atingiria os atos processuais. Conforme jurisprudência do STJ:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIMES FALIMENTARES. INQUÉRITO JUDICIAL. CONTRADITÓRIO. DENÚNCIA. INÉPCIA.

JUSTA CAUSA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.

I - Eventual lapso ou vício do inquérito judicial não anula a ação penal (Precedentes do Pretório Excelso e do STJ).

II – Denúncia que apresenta narrativa que se ajusta ao modelo da conduta proibida não é, em princípio, inepta porquanto permite a ampla defesa.

III - Em sede de habeas corpus, a tese da falta de justa causa deve ser passível de imediata verificação sem recurso ao vedado minucioso cotejo analítico das provas. Precedentes. Recurso desprovido[39].

Ainda neste mesmo sentido, segundo o STF:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. IRREGULARIDADE NO RECONHECIMENTO PESSOAL E FOTOGRÁFICO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. AÇÃO PENAL NÃO CONTAMINADA POR EVENTUAIS VÍCIOS OCORRIDOS NO INQUÉRIO POLICIAL. CONDENAÇÃO ARRIMADA EM PROVAS PRODUZIDAS NA AÇÃO PENAL. NEGLIGÊNCIA DE DEFESA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. 1. Irregularidade no reconhecimento pessoal e fotográfico do paciente. Apuração que demanda reexame de fatos e provas. Eventuais vícios ocorridos no inquérito policial não contaminam a ação penal. 2. Condenação arrimada em provas produzidas na ação penal, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. 3. Ausência de comprovação de negligência da defesa. Ordem denegada[40].


III – SÚMULA 14 DO STF

O fato de não haver o contraditório no inquérito policial, é controverso, na medida em que se confunde o contraditório com a ampla defesa, dessa forma, as discussões apenas se alongaram as discussões.

Principalmente porque as autoridades policiais resistiam em dar acesso aos defensores, mesmo constituídos por procuração, aos autos de inquérito, em flagrante desrespeito as prerrogativas do advogado, abuso de poder policial, cerceamento de defesa e desrespeito ao Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, conforme se observa seguinte ementa:

EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. SÚMULA 691 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SUPERAÇÃO. POSSIBILIDADE. FLAGRANTE ILEGALIDADE. CARACTERIZAÇÃO. ACESSO DOS ACUSADOS A PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO SIGILOSO. POSSIBILIDADE SOB PENA DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO, DA AMPLA DEFESA. PRERROGATIVA PROFISSIONAL DOS ADVOGADOS. ART. 7, XIV, DA LEI 8.906/94. ORDEM CONCEDIDA. I - O acesso aos autos de ações penais ou inquéritos policiais, ainda que classificados como sigilosos, por meio de seus defensores, configura direito dos investigados. II - A oponibilidade do sigilo ao defensor constituído tornaria sem efeito a garantia do indiciado, abrigada no art. 5º, LXIII, da Constituição Federal, que lhe assegura a assistência técnica do advogado. III - Ademais, o ar

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Perfil do Autor

Aldinei Rodrigues Macena, Nascido em São Paulo no dia 15 de abril de 1975, Bacharel em Direito e pós-graduando na Escola Paulista de Magistratura